Cientistas da Universidade de Coimbra descobrem caso de surdez com 100 mil anos

Fóssil estudado foi descoberto em Marrocos há quase 50 anos. Os novos dados sugerem que o indivíduo que sofria de surdez terá sido ajudado por outros do seu grupo durante, pelo menos, alguns meses.

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O investigador Dany Coutinho Nogueira, o primeiro autor do estudo ao fóssil de Marrocos DR

A análise ao sistema auditivo de um fóssil com cerca de 100 mil anos levou um investigador da Universidade de Coimbra a descobrir um dos mais antigos casos de surdez num ser humano. O fóssil em causa tinha sido encontrado há quase meio século em Marrocos –​ é denominado Dar-es-Soltane II H5 – e foi agora estudado com recurso a técnica de microtomografia assistida por computador.

“É semelhante a uma TAC de hospital, mas com uma melhor resolução e permite uma observação mais detalhada. A observação das micro-CT e a reconstrução 3D [três dimensões] foram feitas com um software específico”, disse em comunicado Dany Coutinho Nogueira, do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

O osso temporal (onde está alojado o sistema auditivo) é muito importante, destaca o investigador do CIAS e primeiro autor do artigo científico, publicado na revista International Journal of Paleopathology, e que inclui investigadores de França, Marrocos e Alemanha. “Uma parte desse osso, a pars petrosa, é constituída pelo osso mais denso do corpo humano, que, por vezes, permite uma melhor conservação em fósseis antigos. Essa parte contém os órgãos da audição (cóclea) e do equilíbrio (canais semicirculares), que são estudados em paleoantropologia para distinguir os grupos humanos (a morfologia desta estrutura nos Homo sapiens é diferente da dos neandertais)”, explicou Dany Coutinho Nogueira.

Ao observar os canais semicirculares do Dar-es-Soltane II H5, para confirmar a que grupo humano pertencia este fóssil com cerca de 100 mil anos, o investigador notou que “os canais estavam parcialmente ossificados, ou seja, tinham osso em partes onde não deviam ter”.

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O exame ao fóssil de Marrocos DR

O estudo revelou, assim, que o indivíduo sofria de labirintite ossificante, uma doença “que provoca a ossificação dos canais semicirculares e da cóclea”, resultando em problemas de equilíbrio, tonturas, vertigens e perda de audição. “Esta patologia é muito incapacitante para um caçador-recolector, limitando a capacidade de caçar e encontrar alimentos”, observou Dany Coutinho Nogueira.

O tempo de sobrevivência limitado do indivíduo após o começo da doença coloca em questão a causa da morte e os cuidados que poderá ter recebido, acrescentou. “Dar-es-Soltane II H5 morreu alguns meses depois do início da patologia. Não poderia ter sobrevivido tanto tempo sem ajuda de outros indivíduos, porque já não devia ser capaz de adquirir alimentos e caçar por si próprio, o que nos indica que havia uma forma de acompanhamento do resto do grupo, pelo menos durante alguns meses”, descreveu o cientista.

Este estudo fornece novas informações sobre o estado de saúde das populações do passado, “em particular dos caçadores-recolectores, e também mostra que tecnologias recentes permitem descobrir novas informações e detectar patologias sobre fósseis descobertos há quase 50 anos”, destaca o investigador.

Dany Coutinho Nogueira realçou que só dois fósseis de Homo sapiens caçadores-recolectores apresentam esta patologia: o outro é de Singa, um crânio descoberto no Sudão em 1924 e alvo de um estudo científico em 1998. “São os dois casos mais antigos de surdez adquirida identificados da nossa espécie.”

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